Uma aura de nervosismo misturada a ansiedade pairava como névoa em Curitiba, nesse sábado, 07 de maio de 2022. A primeira vinda do Metallica pra cá dividiu a cidade em três grupos: os que esgotaram ingressos já em 2019, os que não conseguiram comprar e os que não estavam interessados e mesmo assim não tiveram como fugir do assunto, seja nas redes sociais, nas camisetas que invadiram as ruas ou nos bloqueios que se formaram na região do Couto Pereira que recebeu 45 mil pessoas, para dizer o mínimo.
Diante de toda sua construção histórica, é plausível que uma banda desse porte, por si só atraísse muito mais do que o esperado. Mas estamos falando do Metallica, uma banda que gosta de fugir dos padrões e alcançou esse patamar ao buscar excelência em tudo que faz, além, é claro de costumeiramente se reinventar.
Mesmo sabendo de uma legião imensa de fãs por aqui (e nos arredores), eles não vieram sozinhos e abraçaram ninguém mais, ninguém menos que um dos mais novos expoentes do rock mundial, Greta Van Fleet. O que tornou essa combinação bem interessante e contraditória, mas falaremos disso mais pra frente.
O fato é que essas duas bandas são envolvidas em polêmicas e na dicotomia amor/ódio alimentada pelo público.
Outra grata surpresa que embarcou nessa turnê extraordinária foi o Ego Kill Talent como a primeira banda de abertura, protagonistas do esquenta mais aguardado por, pelo menos, dois anos. Esquenta mesmo porque o show começou super cedo (18h29).
E aqueles que torcem o nariz por ter um time de brazucas na turnê certamente nunca os ouviram. Ego Kill Talent abrilhantou a noite com seu carisma e, claro, set list de peso. Eles dominaram todos os pontos principais para um show impecável: música boa, presença de palco e conexão com o público. Ainda que o show tenha sido curto, praticamente meia hora, essa é uma equação que a banda soube realizar muito bem.
Greta Van Fleet entrou na sequência, ou melhor, meia hora depois, assim que o desmonta/monta palco terminou. E é aí que a contradição entra em cena. O quarteto é provavelmente o mais jovem de todos. Pegou um público devidamente aquecido e acalorado e, tal qual uma bola de piscina, jogou para as estrelas, alterando o tempo e a realidade.
Assim, por volta das 19h30, a psicodelia, a excentricidade, as roupas brilhantes e de cores fortes, acompanhada das estampas e dos bordados tomaram conta do palco. O pano místico cheio de símbolos com a logo do novo álbum, The Battle at Garden’s Gate, por trás, os microfones com fios longos e o telão em preto e branco completaram a composição. Estávamos de volta aos anos 70, exceto pela legião de celulares que dominam qualquer show hoje em dia. E essa proposta de revival é certamente uma das principais marcas do Greta. O que denuncia a pouca idade é uma comunicação ainda bastante tímida com o público, que respondeu calorosamente em coro gritando “Greta”.
A saída do Greta Van Fleet denunciou um abismo de tempo absurdo. A espera, sem distrações, para o prato principal da noite fez com que uma hora soasse como cinco. E, de repente, o peso de dois anos na incerteza encontrou eco. Ou seria o efeito da viagem de volta dos anos 70 para 2022?
Depois de um interminável desmonta/monta, o palco ainda continuava em silêncio. O público aguardou calado, uma porque a ansiedade era grande e outra porque estavam certamente guardando as energias para o show. Mas, Metallica sendo Metallica, jamais entraria em cena com uma energia tão embaixo.
Eis que (21h15) surge a que certamente é uma das canções mais enérgicas da história da música e embala qualquer amante de rock em qualquer momento: It’s a Long Way to the Top (If You Wanna Rock ‘n’ Roll), do AC/DC. Óbvio que o público respondeu bem: cantou junto e se animou num crescente. Fica a pergunta, será que agora eles vão aparecer?
Dito e feito. O telão se abriu (21h20) e a introdução começou. Conforme a bateria avançava, as linhas vermelhas iam se completando no palco, até que tudo começou. Misturando música, gritos, todas as mãos para cima com os celulares. Sim, era tudo real, e depois de dois anos de espera, ou melhor, 40 anos, Curitiba finalmente entrou para lista.
Ainda que o público fosse bem variado, do Paraguai, de Santa Catarina, do interior do Paraná e mais. “Levou literalmente quarenta anos, mas nunca é tarde demais.”, bradou James Hetfield com aquele humor irônico e afiado antes de perguntar se podia começar com Kill ‘Em All, levando a plateia as risadas e logo em seguida a loucura.
Parece até clichê dizer que o coro formado pelo público em “The Memory Remains” é algo que vai ficar guardado na memória, mas foi um fato. O próprio James deu uma suspirada profunda e demonstrou uma satisfação impagável, de quem certamente fez um bom trabalho com orgulho de sua trajetória. E como não ter?
Os ingressos esgotados, as milhões de fotos que circularam, as 45 mil pessoas atentas e unidas por abraçarem um sonho que começou lá trás. É difícil colocar em palavras o que significou esse show, mas certamente foi uma grande prova do porque o Metallica é o Metallica e lota estádio nos dias de hoje.
Lars Ulrich entregou tudo na bateria enquanto James, Kirk Hammett e Robert Trujillo se revezavam durante os microfones espalhados pelo palco na tentativa hercúlea de abranger o maior número de público possível. Havia uma grande preocupação no ar de dar o melhor show para quem estava ali e isso era visível em todos. Inclusive a escolha do set, favorecendo as preferidas do público.
Quando surgiu o pedido de Sad But True, James, como o frontman gigante que é brincou: “Não. Tem certeza? Tocar essa música? Vocês não vão gostar.”. E emendou o refrão no gogó mesmo. “I’m your dream, make you real/ I’m your eyes when you must steal/ I’m your pain when you can’t feel”… e o público continou ecoando com: “sad but true”.
Outro ponto marcante foi certamente “The Unforgiven” com sua mensagem para aqueles que sofrem. E o pedido do vocalista: “Perdoe a si mesmo. Sim, você pode. Sim, você pode”.
Ah, ainda sobre a contradição das duas bandas. Enquanto o Greta vai na simplicidade, o Metallica usa e abusa da tecnologia e dos artifícios, mas sem pesar demais, nada que pareça um grande circo, apenas o suficiente para manter o público quente.
Curitiba ficou tão marcada na história do Metallica que até um bebê nasceu ali. Luan, filho recém-nascido da tatuadora Joice Figueiró e do marido dela, o barbeiro Jaime Figueiró Neto, resolveu que chegou a hora durante “Enter Sandman” e virou notícia no mundo todo.
E com tudo isso, fica o questionamento: Metallica fez história em Curitiba ou Curitiba entrou para história do Metallica?