O vento sopra no horizonte. Sua temperatura é gélida em meio ao seu frescor sepulcral. Ainda que traga consigo uma energia melancólica contagiante, sua paisagem acaba exortando, também, curiosos sensos de esperança com direito a toques mistos de gratidão e pesar. Enquanto as lágrimas escorrem dos olhos do personagem, que se percebe mirando a paisagem crepuscular, sua visão está longe, distante e embebida em um torpor incentivado pelas memórias de experiências sem um retorno plausível. Esse é o prelúdio Mamo, que inaugura, com sensorialismo, Anesthesia.
É curioso notar a existência de uma textura sensual e denotativamente swingada em meio a uma paisagem surpreendentemente soturna proveniente da forma como o baixo desenha o groove que preenche a base melódica. Delicada em sua estética melancólica, a canção, durante sua introdução, consegue caminhar entre a morfina e lapsos de consciência representados pela sonoridade de um chimbal sincopado e de uma guitarra de contribuição embriagante. É nesse instante que o primeiro verso se inicia e traz, ao ouvinte, um ingrediente que torna a obra audaciosa e autêntica. Uma voz feminina aveludada e de caráter de extrema delicadeza surge em cena por meio de TANKATAKA, cantora que se apresenta dando vida a um enredo lírico calcado em seu idioma mater, o alemão. Ainda que soe estranho de início, o ouvinte se torna capaz de enxergá-lo como uma língua completamente compreensível graças à interpretação ofertada pela vocalista. Afinal, por meio dela todas as emoções presentes na letra conseguem ser transpassadas para o espectador de forma direta. A melancolia, o soturno, o torpor e uma necessidade tocante de superação transpiram de cada palavra proferida, tornando a faixa-título uma obra sentimental que trata, basicamente, de um amadurecimento emocional perante uma realidade densa e de consequência drástica na vida da personagem.
Em meio à neblina densa cobrindo o gramado verdejante durante o orvalho da manhã, o Sol é visto no horizonte trazendo sua luminosidade de calor aconchegante, enquanto vai proporcionando a vida para os indivíduos ainda em processo de despertar com a chegada da manhã. No entanto, o processo de abrir de olhos é feito lentamente, como se os personagens estivessem embebidos em um senso de torpor intensamente contagiante. Esse sentimento é disseminado, principalmente, pela interação entre a sonoridade de cuinho atmosférico que abraça, sinteticamente, a voz da cantora que, aqui, soa espectral e onipresente, como se fosse o sonar da voz do inconsciente sendo ouvida de maneira consciente. É nesse processo que, inclusive, TANKATAKA consegue extravasar, de maneira mais precisa e nítida, as características de afinação, agudez, dulçor e consistência de seu timbre, cujo aroma traz consigo um cunho gutural que, combinado à interpretação lírica assumida, flerta com a vida dada por Amy Lee aos enredos verbais do Evanescence. É assim que Vitalnya se torna uma música marcante pelo seu experimentalismo de texturas e sensações psíquico-sensoriais.
Anesthesia é um álbum audacioso e autêntico em sua arquitetura conjuntural. Afinal, da despretensão e do senso de individualidade transpirado por TANKATAKA ao fornecer enredos líricos em alemão ao escopo rítmico-melódico atmosférico, o material convida o espectador a, por meio do torpor, vivenciar certas emoções em busca de uma espécie de autoconhecimento.
Enquanto flerta com o etéreo, o material faz com que o espectador não só dialogue, mas enfrente as consequências da perda e do trauma em um movimento visceral em busca da redenção e da superação. Pela forma com que foi trabalhado, Anesthesia proporciona ao espectador identificar tais fatores já através de suas três primeiras músicas, evidenciando, nelas, o senso anestesiante vivenciado pela cantora perante um acontecimento marcante e dramático.
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