Para começo de conversa, a composição já tem seu início marcado por uma espécie de sensualidade sincopada vanguardista. Afinal, dentro de sua estrutura, existem ligeiras nuances eletrônicas que a torna minimamente excêntrica. Entre uma bateria de beat sequencial que sugere uma movimentação fluida e um riff de guitarra hipnotizante em sua forma brevemente ondulante, o ouvinte consegue notar a presença do baixo entre marolas, de forma a percebê-lo entre altos e baixos em uma noção sensorial amorfinante em sua atitude de entregar corpo à sonoridade. Nesse ínterim, o escopo lírico passa a ser construído por uma voz masculina de caráter afinado em sua agudez consistente, a qual, junto com a desenvoltura instrumental, dá à faixa-título uma naturalidade levemente angustiante.
Uma agudez ácida preenche a atmosfera como chamas suando das fendas do chão. Enquanto o ouvinte vai se adaptando a essa paisagem de viés curioso e de interessantes nuances de sinistres, um ligeiro repique percussivo aquece, subitamente, o sangue do ouvinte para, então, encaminhá-lo para o despertar do primeiro verso. De natureza enérgica, vívida e estimulante, é importante pontuar a feliz capacidade que Lie To Love You tem em misturar uma essência dançante com beat preciso, texturas ásperas vindas da distorção da guitarra e uma sensualidade irresistível engrandecida entre a cadência lírica e a desenvoltura do próprio escopo percussivo. Através dessa sinergia, a canção consegue, ainda, adquirir, para si, o título de primeira canção do álbum a ter um apelo radiofônico, mas longe de ser apelativo.
Enquanto o viés eletrônico vai preenchendo a atmosfera com um sonar agudo, adocicado e aveludado em sua forma ondulante, a bateria vai inserindo potência através de sua desenvoltura regada em precisão, algo observado através dos golpes proferidos nos tons. Com seu som seco e ligeiramente opaco, o instrumento confere, inclusive, força ao escopo rítmico-melódico, mesmo que ainda em processo de desenvolvimento. Tal como o Sol surgindo por entre as colinas desérticas, dando ao céu um quadro de cores místicas, Daylight, em meio ao seu experimentalismo new wave, dá ao ouvinte a capacidade de vivenciar, palpavelmente, o senso do frescor puro da manhã abraçando seu corpo. De caráter dançante, é importante mencionar que a obra ainda se aventura por entre sabores de um dulçor que traz, consigo, ligeiras semelhanças estéticas para com aquelas apresentadas em Blinded By The Lights, single do The Weeknd.
Pode parecer certo desprezo enaltecer em demasia três canções em uma track list com um total de 10 títulos. Acontece que, de fato, essas canções em específico salientam com mais maturidade e consistência a essência de Be Someone em sua forma mais pura, tanto no que tange o cardápio de texturas quanto no viés lírico-instrumental.
Isso acontece porque o álbum traz em si uma certa ousadia em fundir sonoridades eletrônicas em meio a um protagonismo equilibrado do rock alternativo. A partir daí, é possível notar a doçura se comunicando diretamente com o áspero e o bruto interagindo com o frescor em sua silhueta mais branda, algo perceptível principalmente em Chasing Tigers.
Além de conseguir ser dançante enquanto experimenta nuances percussivas marcadas por boas doses de precisão e consistência, o material, consequentemente, é agraciado por uma sonoridade forte e madura em sua proposta. Transpirando um certo quê de vanguarda, inclusive, dá para perceber certas imersões sombrias, ao passo que existe, também, voos marcados pelo vislumbre de algo mais aberto e disponível que, no caso, vem na forma de incursões new waves.
A partir dessas constatações, se percebe que Be Someone é um material que pode levar o ouvinte a extremos. Se, por um lado, ele é capaz de efervescer o sangue, por outro, é capaz de tranquilizar. Do transcendental ao torpor e da sensualidade à precisão, o álbum apresenta um Dozenz de musicalidade versátil e com grande requinte de sensibilidade estética.
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