Seu início é, no mínimo, intrigante. Puxado por um baixo seco em meio a um groove crescente e ligeiramente rebolante, tal despertar é encaminhado rapidamente a uma valsa aveludada, doce e entorpecida que, através da sintonia existente entre os violinos, faz com que o ouvinte seja entregue ao abraço do frescor e da sutileza. No entanto, no entremeio de cada nota proferida, uma melancolia pungente acaba sendo transpirada de maneira descarada. Por sinal, conforme outros elementos vão entrando em cena, como a bateria através de sua levada mansa, esse viés é, cada vez mais, intensificado. Ainda que existam notas florais e fofas promovidas pela fragilidade do sonar do fender rhodes, Damages, a partir do dueto visceral entoado pela união de Jonnythefirth e Rosie Doonan, leva o ouvinte ao máximo da experiência sensorial da tristeza associada ao desolamento.
Bem distante daquele viés pegajosamente cabisbaixo promovido pela canção anterior, o novo cenário se mostra mais divertido e até mesmo com uma boa mistura do lúdico com o cômico. Graças à sua estrutura minimamente experimental, algo evidente pela guitarra em um wah-wah desajeitado se relacionando com a base estrutural trotante construída pelo baixo e bateria. Mostrando gradativamente sua imersão na esfera do blues, a composição permite que o ouvinte deguste, individualmente e de forma mais clara, o timbre de Jonnythefirth. Agridoce em sua essência, ele traz consigo uma sutileza própria que torna o enredo lírico encantadoramente brando, ainda que envolto em nuances embrionariamente dramáticas. Novamente na companhia de Rosie, o cantor faz de Don’t Wait uma composição estruturalmente ondulante com ligeiros traços de rigidez que dão ênfase à sua dramaturgia narrativa.
É somente o teclado que puxa a introdução. Com seu tom doce, mas emanando, pelas suas entrelinhas, uma melancolia que destaca sua postura cabisbaixa, o instrumento serve como uma espécie de abre-alas para que o instrumental, em sua totalidade, vá sendo gradativamente construído. Agraciada por uma guitarra aveludadamente uivante em meio a um dedilhar singelo, a presente composição, mais que Don’t Wait, se configura como uma obra inquestionavelmente blues graças ao seu andamento em 4×4. Delicadamente harmoniosa em virtude da contribuição sensorial do teclado através de sua reprodução do sonar do mellotron, Fragile desemboca em um refrão estruturalmente minimalista, mas cuja desenvoltura vocal acaba criando um forte elo para com o ouvinte.
Crescendo ainda mais na sua imersão no campo estético do blues, Happy When Sad traz não apenas o andamento rítmico-melódico em 4×4, mas até mesmo uma interpretação vocal mais voltada à arquitetura do gênero. Até mesmo na questão da energia e do tema lírico a canção se permite mergulhar em tal atmosfera. Afinal, enquanto a sonoridade vai promovendo o senso de maciez e ligeira sensualidade, a camada vocal insere intensidade e um toque rascante de melancolia a cada novo fôlego tomado. Na companhia do violão fornecendo requintes de frescor nas camadas inferiores da melodia e com o saxofone soltando suspiros cheios de desalento, a faixa é embebida em uma visceralidade dramática pungente que captura a atenção do ouvinte por trazer influências de The Beatles e Paul McCartney em sua cenografia sonora.
Estruturalmente delicado. Melodicamente sereno. Harmoniosamente transcendental e ritmicamente macio. Broken Bones Vol. II não é um álbum para pessoas fracas no que tange ao emocional. Afinal, a cada canção, o arranjo faz com que portas sensoriais sejam abertas, levando o ouvinte aos seus próprios confins sentimentais.
A partir daí, se percebe que nem sempre a solidão pode ser um bom aliado nos momentos de superação. Isso porque a companhia de si acaba destacando tudo o que se deseja esconder dos outros, mas que, às vezes, não é possível do próprio indivíduo possuinte de tal essência. Desta feita, a melancolia é a rainha da cenografia emocional do álbum.
Independente do quanto o material se desenvolva, ela sempre está ali, aguardando a chegada do ouvinte de braços abertos. Sempre cabisbaixa, logicamente, mas, também, sempre com uma postura compassiva, ela acolhe todos os sofrentes em seus braços de temperatura agradavelmente mornas, os envolvendo com conforto e aconchego.
Não é de se espantar, portanto, que as quarto primeiras faixas de Broken Bones Vol. II mereçam melhor destaque. Elas, mais do que o restante, encapsulam de maneira mais visceral e pungente a ideia do sofrimento e de uma harmonia melancólica, ressaltando o arranjo tradicionalmente sensível e lancinante do blues. Eis aqui, portanto, um álbum dedicado ao sofrimento. Ainda assim, um disco que acolhe e que busca dar o mínimo de alento à dor transpirada de cicatrizes mal estancadas.
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