Há trabalhos que exigem atenção redobrada dentro da música e nem sempre é pelo motivo de sua complexidade ou riqueza de detalhes. Muitas vezes é pelo fato de apresentar uma sonoridade diferenciada que pode passar despercebida por ser discreta. Sim, isso existe e é até mais comum do que imaginamos.
Talvez seja isso que Conor Miley apresenta em seu disco de estreia. O trabalho chega depois de 3 singles que fora muito bem recebidos pelo público, o que prova que ele foi compreendido antes de lançar este álbum que carrega um ar de mistério, desabafo e muito sentimento.
Até porque “Thousand Yard Stare” foi um disco composto quando o artista de Gorey, na Irlanda, se separou e descobriu que iria ser pai. Imagina o choque e o misto de sentimentos. Na verdade, são nestes momentos que o senso de composição pode fluir melhor ainda, o que notamos no disco.
O álbum foi gravado em um estúdio improvisado na casa de Conor, durante o lockdown da pandemia de covid-19. Todo o processo de concepção, gravação, enfim, de produção em geral de “Thousand Yard Stare” durou alguns anos, e contou com a participação dos familiares do artista, incluindo seu filho em diferentes períodos. Logo estamos diante de uma obra muito pessoal.
De qualquer forma, o irlandês faz uma abordagem onde o álbum não soe tão intimista e possa servir para o lado externo. Talvez pela sua abrangência e variação, já que não estamos diante algo que está disposto a rótulos, definitivamente. São 11 faixas onde o ouvinte irá encontrar vários elementos, do acústico, passando pelo plugado e sintetizados, com diversos climas e sabores, além de cores, por mais obscuras que elas possam parecer.
A faixa de abertura, “Slowly, I Return”, traz mais de cem amigos e familiares de Conor, que contribuíram através de mensagens de voz no WhatsApp. Servindo como uma gigante introdução de mais de quatro minutos, a faixa já nos apresenta o ar misterioso que permeia o álbum.
“Thousand Yard Stare” chega para unir o passado e o presente, com um trabalho vocal primoroso, aumentando a emoção do qual somos premiados já na faixa de abertura. Progressiva, a faixa conta com uma melodia emocionante. Os teclados e a percussão tribal são os grandes diferenciais.
Já “Lost Honeybee” mostra Conor se enveredando para um folk tradicional, onde um dedilhado marcante de violão, já em seu início, nos faz imergir ainda mais no disco. Mais simplista, a faixa traz arranjos mais objetivos e uma interpretação dramática. Na sequência “Dogs of War” mantém a essência folk, mas ganha uma percussão mais sucinta, que dá um ritmo dinâmico, com uma interpretação menos melodramática.
Praticamente chegando à metade do disco, “Getaway” e seu piano moderno de abertura mergulham o ouvinte num conceito onde o pop se entrelaça com o erudito. Também emotiva (como todo o disco), a canção se destaca pelo seu trabalho vocal e uma intensidade maior em sua execução.
Já “From The Ashes” é praticamente uma peça instrumental. Apesar de conter vocais, eles aparecem como um auxílio para uma música com ênfase no piano e teclado, com uma forte aura de trilha sonora de cinema. Com sua introdução encantadora, “Tinder Sticks” chega e consegue colocar um ar ainda mais sentimental e se destacar, o que é algo magistral para um trabalho tão cheio de sentimentos como é “Thousand Yard Stare”. O folk moderno tem arranjos espetaculares, apesar de sua veia simplista.
Enquanto isso, “In The Undertow” apresenta o indie folk pela primeira vez, mostrando que, para o tracklist do disco, nunca é tarde para nos surpreender. Aliás, é mais uma composição que mostra um trabalho vocal magnífico, com influências diretas do Queen. Enquanto isso, “Fathers Day” chega com sua chuva de sintetizadores, onde ele mostra uma veia indie que se mistura com o post-punk e, sem exageros, música clássica (é só sacar o baixo e os naipes de metais da canção). Uma das melhores composições do disco.
Chegando na reta final, com “Dreamer, You”, Conor não pensa em um sprint final, mas aumenta a intensidade com sua linha folk, entregando uma composição densa em sua progressão e com um ar de ansiedade que pode encantar o ouvinte contraditoriamente. Isso porque o caos que ela gera também traz sentimento, sendo uma das faixas mais complexas, apesar de sua aparência simples.
Com uma gravação de voz de seu filho quando bebê, além de uma gravação dele aos 2 anos de idade, a música final, “Paean”, chega a tirar lágrimas com toda sua pompa, emoção, trabalho vocal e instrumental intenso. Ela termina com uma conversa distante entre pai e filho. E assim se encerra esse disco pessoal, mas feito para as pessoas apreciadoras da boa música e de temas que passam por amor, perda, desgosto, esperança e a vida como pai solteiro na Irlanda no século 21.
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