Kiss se despede de Curitiba e deixa saudade em sua “End Of The Road Tour”

Enquanto o sol das 18 horas ia indo embora deixando seu laranja habitual no céu do dia 28 de abril, seu Aparecido, que ia em direção à Pedreira Paulo Leminski, contava sobre sua coleção invejável do Kiss lá dos anos 80. A quem não viveu a época, fica difícil conceber um mundo em que as informações vinham dos jornais e revistas, e a banca era ponto primordial para qualquer fã que quisesse conseguir qualquer coisa de qualquer artista.

Por isso, o brilho no olhar de seu Aparecido é tão valioso. Coisa de quem conquistou fitas k7, revistas e posters, e só quem viveu na época vai compreender. Ou quebrou regras, como o seu jaleco de trabalho com patches da banda, que ele conseguiu a muito custo.

As conquistas do Kiss são imensas, e o que leva uma banda com tanta bagagem a continuar fazendo shows? Dinheiro? Equipe? Indústria? É impossível fugir do questionamento, quando quem já conquistou tanto, continua na estrada.

A “End Of The Road Tour” chega como uma despedida e uma homenagem aos 45 anos de carreira de uma banda que fez tanta história pelo mundo e pelo Brasil. Banda que criou tantos roqueiros e abriu caminho para outros. Que inspirou vocalistas, guitarristas, baixistas e bateristas a aprenderem um novo instrumento. Que através das estripulias, da maquiagem e das botas astronáuticas revelou a magia de uma banda de rock.

Assim, o Kiss não podia jamais deixar de passar em Curitiba, cidade que cravou seu status como rota de grandes shows por décadas, e foi uma das escolhidas como palco para um de seus quatro shows de despedida. Onde? Na Pedreira Paulo Leminski, claro! O mesmo que eles estiveram da última vez por aqui, em 2015.

E o público respondeu indo em peso. Não a toa, o total do show foi de 20 mil pessoas, cada uma com sua peculiaridade e com o amor pelo Kiss em comum. Tinha de tudo, dos caras pintada e botas prateadas, ao roqueiro comum de camiseta de banda e tênis, passando por crianças nas costas dos pais, no melhor estilo programa de família.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

O Show – alerta de spoilers!

Apesar de a previsão ser as 20 horas, todo mundo já esperava um certo atraso. Faz parte do suspense, né? Então quando o telão mudou de frame, 45 minutos depois, a expectativa está lá em cima e o público pegou fogo (figurativamente) com o vídeo da banda saindo do camarim para o palco.

As quatro caras pintadas descendo de um disco do céu, com muito brilho na roupa e nos olhos de quem está pronto para salvar mais uma quinta-feira curitibana e realizar o sonho de muitos fãs. The Starchild (Paul Stanley), The Demon (Gene Simons), The Spaceman (Tommy Thayer) e Catman (Eric Singer) chegaram mais do que prontos e com muito sangue no olho para entregar tudo aos fãs. E entregaram!

Para esquentar o show primeiro veio “Detroit Rock City”, seguida de “Shout It Out Loud”. Paul Stanley mostra definitivamente porque é um frontman tão icônico e com tamanho carisma chama o público para a brincadeira: “Animais selvagens façam algum barulho”.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

“Essa é a segunda vez, a primeira vez que viemos ver vocês, foi em 2015, primeira vez em Curitiba. Então, aqui está um (som) old school do primeiro álbum.”, disse com uma cadência absurda, uma clareza rara e uma tentativa inspiradora se conectar com um público que não necessariamente fala sua língua. “Deuce” e “War Machine”, passaram com aquele gostinho de saudade e nem precisou chegar em “Heaven’s on Fire”, porque o fogo e as explosões aconteciam a cada minuto.

Não precisava chegar tão perto para sentir o calor queimar a pele do rosto, trazendo uma boa dose de realidade, para aqueles que afirmam que ver por streaming é a mesma coisa. Não é. Porque um show como esse desperta vários sentidos muito além da visão e da audição. É um desses grandes espetáculos raros que cria uma memória para a vida toda.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

“Heaven’s on Fire” seguia despertando lembranças e até renderam uma bonita troca de juras de amor entre uma The Starchild e um The Demon, na plateia, despertados pelo final da música e a fala do Paul. “Essa aqui, você deve conhecer essa: I Love It Loud”, disse um Paul empolgado, e ao mesmo tempo, quase como um professor de inglês em dia de prova oral. “Ei, Brasil, você conhece essa música, não é?”, Gene entrando no clima.

Mas não foram só palavras que saíram da boca dele não. Ele soltou fogo pelas ventas, no sentido literal da coisa, em uma performance maravilhosa com a espada. Tudo isso não era nem uma hora de show ainda e o público gritava em coro “Kiss, Kiss, Kiss”.

Professor Paul entrou em cena, dessa vez para pedir para os alunos gritarem: Yeah, Yeah, Yeah, já anunciando a próxima música. E funcionou: “Isso é ótimo, obrigado, foi incrível”.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

“Cold Gin” entrou na sequência seguida de um solo de guitarra de Tommy Thayer. E é tão bonito de ver como eles se apoiam nessas pequenas perfomances individuais. Gene achou que o público não estava sabendo valorizar o esforço de Tommy e pediu mais interação. Ainda que os solos em show sejam extremamente criticados, esses são os momentos que os pequenos sonhadores lá dos anos 80, futuros guitarristas, certamente aguardam. Quantos não começaram com uma história assim?

E não é só os mais velhos que piram não. Mas essa parte eu conto mais pra frente. “Vocês estão se divertindo?”, questionou Paul enquanto pedia provas do grandioso Yes que se seguiu. A resposta veio com “Lick It Up”, em uma belíssima sequência de “Calling Dr. Love”, “Tears Are Falling” e “Psycho Circus”.

Eric deixou muita gente boquiaberta desafiando a ideia de ser impossível fazer duas coisas ao mesmo tempo. Ele sentou o pé no bumbo com vontade enquanto limpava as mãos calmamente. Inspirou uma menina loira novinha toda trabalhada no Catman enquanto imitava a bateria com as mãos. Em seguida “100,000 Years”.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

Quem diz que baixistas não doam sangue no palco, certamente nunca viu Gene. Ele chegou com seu solo histórico a base de muito muito sangue, realçado pelas luzes verdes que ajudam a criar um clima de horror suave. E eis que tudo se esparça com “God of Thunder”.

“Vocês estão se divertindo?”, o vocalista sente o público e provoca. “Amamos o Brazil, vocês tem tanta paixão e tanta energia.”, elogia para dar o bote: “Eu adoraria estar no meio de vocês, mas vocês precisam me convencer”, disse um Paul exigente que tentou quatro vezes os gritos do público para se convencer.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

Paul encabeça a próxima performance, também famosa, de voar no meio do público em “Love Gun”. Ele para em palco criado quase que no meio da Pedreira e toca de lá “I Was Made for Lovin’ You”, retornando na sequência em cima do público sedento.

A sequência de “Black Diamond” até parecia o final. Mas ninguém mais acreditou que eles iriam terminar a turnê sem duas clássicas e a luz que se apagou do palco provou ser apenas um subterfúgio para o piano que Eric tocaria em Beth.

Animadíssima por natureza, “Do You Love Me” chegou acompanhada de grandes balões que voaram no público. Mas a festa ficou completa com o espetáculo de brilho em “Rock and Roll All Nite”. Paul deixou uma marca de beijo na guitarra antes de quebrar, e deixou ainda uma saudade impossível de matar. Um show que explora todas as sensações e vai muito além da música.

Fotografia: Caio Duran/Opus Entretenimento

Fim do espetáculo.

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