Marinho Nobre discute sobre os processos criativos de The Tale Of The Desert Mountain em entrevista concedida à Roadie Music

Marinho Nobre é um compositor, produtor e multi-instrumentista paulistano, hoje radicado em Los Angeles (EUA). Musicalmente movido pelas influências do jazz, da música clássica, da new age, metal, pop, world music e, inclusive, na seara da música eletrônica, aqui abrangendo lounge e a electro, Marinho é um dos avaliadores da The Academy Of Recording Arts (Grammy).

No mês de agosto, Nobre anunciou o instrumental The Tale Of The Desert Mountain, seu mais recente full-length. Completamente instrumental, o material acompanha o músico por atmosferas ambientes, introspectivas e espirituais por meio da experimentação de uma sonoridade oriental. Sobre esse novo disco, o produtor conversou com a Roadie Music em uma entrevista que aborda o processo criativo e curiosidades a respeito do álbum. Confira!

 

Roadie Music: Nesse álbum, particularmente, vejo duas coisas que, para mim, são audaciosas. Primeira, ele consiste em um produto instrumental. Segunda, ele mergulha em profunda atmosfera introspectiva. Como você vê a percepção desse trabalho em um momento em que as pessoas estão vivendo apressadas e barulhentas?

Marinho Nobre: O mundo ético em que nós vivemos é um dos fatores que me levaram a fazer esse álbum. Então, a principal função dele é trazer as pessoas que estão vivendo mais rápido do que de fato imaginam para a pequena cúpula de quietude que criei. Quando se caminha por ela, as percepções e pensamentos mudam.

Então, respondendo à pergunta, algumas pessoas podem achar o álbum algo muito lento ou muito meloso. Porém, como disse antes, se a música ocupar um espaço suficiente em suas mentes, essas percepções podem mudar. Nesse ínterim, também existem indivíduos que procuram por calma e serenidade. Em relação a esse público específico, a receptividade do disco tem sido demais!

RM: O álbum é descrito como fruto de uma jornada pelo deserto. Quando o ouvi, pude sentir desde o frescor da brisa noturna ao misticismo do crepúsculo, bem como o calor do Sol. O que gostaria de saber de você nesse aspecto é: Que sentimentos lhe fizeram ter vontade de compor um disco baseado nessa experiência?

MN: Estar só em comunhão com a natureza me trouxe uma tremenda sensação de paz. Foram mais do que algumas viagens pelas áreas desérticas áridas espalhadas pelo mundo e, em cada uma delas, além de suas belezas, há elementos que podem trazer muito desconforto. Extremo calor, exaustão, isolamento, a areia penetrando seu corpo por debaixo das roupas, e por aí vai…

Eu aprendi a controlar essas sensações em larga escala fechando a cúpula e tentando escutar o que aquele lugar estava tentando me dizer. Essa experiência e estado de consciência é precisamente o que trouxe comigo quando comecei a gravar esse disco de estúdio.

 

RM: O que você estava procurando quando realizou essa viagem pelo deserto? Encontrou?

MN: Queria encontrar paz. Reclusão. Me encontrar. Acabei encontrando, também, algumas coisas interessantes, como o fato de que o silêncio do deserto à noite é quase ensurdecedor, se é que isso faz algum sentido. Também percebi que, após um tempo comigo mesmo e vendo várias belezas épicas, minha mentalidade se transformou de medo e vulnerabilidade para um verdadeiro nível espiritual. No fim, isso foi exatamente o que estava procurando!

 

RM: Como produtor e, também, multi-instrumentista, você trouxe à luz alguns instrumentos que não são comuns na música ocidental. Do turco saz, passando pelo duduk e pelo kemenche, você propôs um completo novo mundo, musicalmente falando. Por que trazer esses elementos? Que potencial você enxerga neles?

MN: Já faz algum tempo que conheço e sou um grande apreciador desses instrumentos. Os usei no meu álbum anterior, em trilhas sonoras de filmes e documentários, além de várias jam sessions com outros músicos… É como se eles fossem uma grande parte de mim, de alguma forma.

Também gosto que, além da paz e da introspecção, grande parte do propósito dos meus projetos musicais new age/ world music é mesclar as culturas existentes ao redor do mundo e usar a música como o idioma da união. Em um mundo tão degradado por guerras e ganância, nós poderíamos usar um pouco desse preceito, não acha? Além disso, esses instrumentos trazem um tom e uma energia que aqueles maciçamente usados no ocidente são incapazes de produzir. Novamente, a união desses dois mundos na medida certa, me soa perfeita.

 

RM: Em algumas partes do álbum, me senti um tanto inseguro, com medo e imerso em uma atmosfera sombria, especialmente em For All The Animals. Poderiam essas emoções serem representações dos sentimentos dos animais em relação às ações do homem para com a natureza?

MN: Essas músicas têm diferentes mensagens e elas abrem várias portas às interpretações do ouvinte. E isso é bom… Quando você se aproxima desse álbum, irá notar que existem  momentos de beleza, paixão, tristeza, medo e alegria, para nomear algumas emoções. Poderia ser eu navegando pela minha mente e meus arredores simultaneamente.

Um momento em que estou em uma explosão de alegria, assim como em outros, estou lutando contra meus demônios… Tudo isso se reflete na música, quer queiramos ou não. Isso acaba fazendo parte de algo que faz você refletir e, finalmente, encontrar aquela grande sensação de satisfação após uma longa viagem.

 

RM: Qual foi a parte mais difícil em compor esse álbum?  

MN: Não permitir que, em momento algum, ele se tornasse em algo que eu fizesse apenas para agradar os outros. Mantendo-o totalmente real. Tão real quanto possível. Eu, na verdade, apaguei por completo duas músicas nesse álbum e as recomecei do zero. Eu queria que esse álbum fosse cru e despretensioso.

 

RM: Como brasileiro, você enxerga a possibilidade de fazer um trabalho semelhante, mas agora sobre uma experiência tida a partir de uma viagem pela Amazônia?

MN: Interessante você mencionar isso! Essa é uma boa ideia na minha lista! Eu só posso imaginar o que acontecerá na minha cabeça quando isso acontecer! Um dia, com certeza!

RM: Vejo que, a partir do álbum, você inseriu partes instrumentais que, além de serem delicadas, são muito dramáticas. Como multi-instrumentista, qual instrumento sente que melhor pode representar as emoções humanas?

MN: Não existe uma resposta para isso! Eu, claramente, tenho alguns favoritos! Tenho mexido muito com minha flauta nativa americana, meu charango e meu ukulele para um novo projeto que estou trabalhando. Mas, sinceramente… Todo o som, todo o estilo musical e todo o sentimento expressado, terá a própria ferramenta para identificar esse momento. Isso varia com as culturas que estão sendo representadas e com o que você está tentando transmitir por meio de uma música específica. 

Inclusive, não existe estereótipo nos instrumentos e um particular humor musical no meu mundo. Eu usei um ukulele que é conhecido por casuais e músicas edificantes, dedilhado com pads de cordas em The Shrine, que se transforma em uma das mais emocionantes e, em certo grau, mais tristes do álbum.

 

RM: Durante a audição do álbum, não pude parar algumas lágrimas que inesperadamente escorreram dos meus olhos, incentivadas pela paisagem etérea e atmosférica. Essas lágrimas, até agora, não tinham razão para existir, a não ser em virtude da maneira que você criou as melodias. Você vê nas lágrimas o principal foco do álbum? Quero dizer, a proposta introspectiva?

MN: Fico feliz que você tenha tido essa reação! Quando você começa a comungar consigo mesmo, e existem melodias e harmonias envolvidas, essa proposta de introspecção irá, muito provavelmente, te levar a uma variedade de emoções. No caso desse álbum, eu gostaria de pensar que existe um carrossel de sentimentos. Eu derramei lágrimas em diferentes partes da produção desse álbum! Do deserto ao estúdio. Se elas passaram para você e para outros ouvintes, minha missão está completa!

RM: O que você espera que o ouvinte sinta durante a audição do álbum?

MN: Espero que ele use minha música como uma caixa de ferramentas para sua imaginação… Sem limites! Apenas voe pelas dunas de areia e vales para encontrar a si mesmo!

 

The Tale Of The Desert Mountain está presente nas principais plataformas de streaming.

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