Desde seu inicial imediato, a composição de abertura do álbum já oferece importantes elementos estéticos. A partir do riff da guitarra, o ouvinte entra diretamente em contato com uma sonoridade crua e sensual que combina lo-fi com folk em meio a traços brandos de blues. Conforme se desenvolve, a canção é recebida por uma bateria de levada precisa que delimita, de maneira bastante convincente, o seu tempo rítmico. No entanto, é incontestável o fato de ser o timbre rouco e áspero do vocalista o verdadeiro elemento que, além de entregar um charme excêntrico, funciona como a textura que salienta os demais sabores dispostos no enredo sonoro. Agraciada por uma linha de baixo precisa e consistente presente na base melódica, Save Me escancara, conforme amadurece, sua essência sertaneja envolta em uma densa camada de torpor.
Crua, áspera e sombria, desde seu início imediato desenhado unicamente pela guitarra em seu andamento lento que flerta com a paisagem doom, a canção evidencia certo flerte estético para com as canções assinadas por Danzig em virtude de sua essência sombria que não esconde a sua natureza curiosamente hard rock. Ainda assim, não é difícil de se perceber nuances do blues através de sua paisagem melódica graças à sua maciez embriagante. Suzie é uma faixa que explora uma paisagem sensualmente mórbida que hipnotiza o ouvinte em virtude da maciez assumida pela guitarra.
Ela é solar e amplamente sensual. A maneira com que a guitarra acústica desenvolve toda a paisagem sonora entrega não apenas um curioso swing cru, mas confere à atmosfera um calor até então inexperienciado nas canções anteriores. Surpreendentemente, porém, a bateria rapidamente entra em cena desenhando um compasso rítmico sintônico à cadência da melodia. Linear e sob um andamento mid-tempo, Dora Lee parece explorar uma excêntrica paisagem bucólica que prende a atenção do espectador principalmente pelo seu caráter contagiante.
É chegado o momento em que o êxtase e uma breve impressão de bem-estar dão lugar a algo sombrio, melancólico, cabisbaixo e até mesmo rascante. Por meio da introdução desenhada pela guitarra em sua forma acústica existe um toque dramaticamente teatral transcendendo a sonoridade por ela desenvolvida. Com o auxílio do bumbo fornecendo o compasso rítmico, a canção vai assumindo, pouco a pouco, um caráter de fábula que prende a atenção do ouvinte por fomentar a sensibilidade e fazê-lo enxergar, mesmo que imageticamente, uma paisagem desértica banhada por um céu poente banhado por tonalidades místicas. Esteticamente densa, a canção acaba sendo agraciada por uma dramaticidade pungente graças à contribuição do sonar adocicadamente sintético do teclado, a qual preenche o espectro harmônico de maneira linear. Diana é a faixa em que o Rosetta West explora tanto a sensibilidade cenográfica quanto as técnicas de storytelling a partir de seu lirismo penetrante.
Night’s Cross não pode ser tido como um álbum comum, definitivamente. Afinal, ele consiste em um material que, apesar de ser embebido em um contexto rítmico-melódico minimalista, consegue estimular a sensibilidade e a imaginação do espectador por meio de paisagens bucólicas e desérticas que são abraçadas por um curioso contexto sombrio que chega a até mesmo flertar com o mórbido.
Através de uma espécie de folk que nada traz de referência de seus gêneros-irmãos, como o southern rock, o rockabilly ou mesmo o roots rock, ele explora um caráter de crueza que dá ao seu enredo melódico uma autenticidade inquebrantável e lexicalmente excêntrica. Somente o blues pode ser notado em alguns momentos, os quais, inclusive, não são muitos.
Ainda que soe melancólico e se perca por meio de uma densa camada de dramaticidade que incentiva um curioso senso de solidão, o álbum traz consigo uma narrativa que contempla a morte e a perda de uma forma não deprimente. E isso fica notável já em meio às suas primeiras quatro composições, pois elas, além de encapsular o sentimentalismo e seu aspecto sonoro, comunicam, inclusive, boa aptidão no que tange o storytelling.
Com sua espécie de folk cigano, o Rosetta West faz com que Night’s Cross, como seu próprio nome sugere, caminhe cada uma de suas 12 faixas através de paisagens noturnas. É aí que títulos como a reflexivo-intimista Cold Winter Moon, Oh Death e seu enredo que consiste em um diálogo direto com a morte, além da sensual Underground Again também mereçam a devida atenção.
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