A canção, logo em seu amanhecer imediato, fornece ao ouvinte a perfeita percepção de punch, aspereza e sujeira. De temática crua em seus flertes notáveis em relação à paisagem ríspida do punk, a canção surpreende por, entre a guitarra e o compasso ligeiramente sensual da bateria, trazer, na base melódica, um toque extra de acidez. Proveniente do teclado, esse ingrediente dá à obra uma espécie de audácia por criar uma paisagem sonora capaz de ser denominada synth-punk. Assim que entra em seu primeiro verso, ela recebe uma voz masculina de timbre intermediário e levemente nasal no trabalho de desenhar o enredo lírico. É então que Mr. Laughing parece narrar os atos de uma figura onipresente. Algum tipo de bicho-papão que surgirá para corromper seu hospedeiro. Tudo envolvido por uma atmosfera estética que consegue misturar a atitude do punk, o bucólico do folk e a melodia do blues, a qual se evidencia no refrão, momento em que o ouvinte descobre quem é o indivíduo responsável pelos atos constantemente citados pelo vocalista como uma curiosa forma de alerta.
Diferentemente da paisagem anterior, o que se tem aqui vai muito distante da raiva, da aspereza e do cinismo de caráter quase cômico. Afinal, as texturas experimentadas no presente amanhecer são calcadas na delicadeza, na suavidade e em toques agradáveis de um frescor tranquilizante. Aromática em sua essência, a canção consegue ser, inclusive, romântica em meio ao seu ecossistema perfumado. Se desenvolvendo a ponto de soar como uma perfeita trilha sonora para a valsa de baile dos anos 60, Palace Pier se configura como uma obra de lirismo e escopo rítmico-melódico denotativamente romanceado que embriaga o espectador com sua base blues aveludada.
Parece ser boogie woogie, mas não. Parece, inclusive, ser o prelúdio de um dançante, sorridente e charmoso jazz. Porém, sua identidade é a de um divertido, contagiante e irresistível blues puxado por um piano de postura saliente. Atraindo o espectador para a segunda metade do amanhecer da obra, o instrumento permite não apenas que a bateria desenvolva a batida padrão do gênero em seu compasso em 4×4, mas também que os metais entrem em cena trazendo vivacidade e uma estridência curiosamente bojuda, a qual permite doses extras de swing. O mais interessante, no que tange toda a sua conjuntura, é que Coronavirus Blues é uma obra em que o Mr. Laughing revisita um período tempestuoso da sociedade global com uma visão cômica, fresca e debochada que suaviza o caos, a insegurança e o senso geral de impotência propagado pela pandemia do Coronavírus.
Tenderhooks é um álbum que chama a atenção pelas suas texturas e combinações rítmico-melódicas não por serem peculiares, mas por serem, de certa forma, tradicionais. Do folk, o material traz flertes do hard rock, o jazz e, até mesmo, o twist. Consegue ter paisagem moderna, mas com aromas do passado.
O álbum é, inclusive, por meio do Mr. Laughing, capaz de trazer a comicidade e leveza mesmo quando relembra momentos tensos vivenciados pela humanidade poucos anos atrás. Tudo isso com bastante jogo de cintura, sensualidade e uma sonoridade potente que consegue ser firme, mas ao mesmo tempo leve. E as três primeiras faixas de Tenderhooks, álbum com lançamento previsto para 23 de novembro, portanto, ilustram bem tais constatações.
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