O álbum se inicia com uma ambiência que traz a perfeita significância da palavra torpor. Com uma sonoridade opaca que transcende os limites do esoterismo através de sua linearidade hipnótica, a introdução propõe um cenário intimista, mas calcado em um profundo senso atmosférico. Delicado em sua estética, no mínimo, intrigante, a canção passa a explorar notas de uma crueza serena proveniente de chiados que surgem junto da entrada de um sonar doce e clássico, mas, acima de tudo, cheio de deleite. Enquanto o lo-fi se apresenta, portanto, a harpa vai ocupando, educadamente, seu espaço no âmbito melódico. Trazendo consigo um caráter oriental marcante, o instrumento é capaz de não somente fornecer o êxtase do bem-estar, mas de extrapolar tudo aquilo que se tem como sinônimo de sensorial. Afinal, a faixa-título mostra, sem qualquer dificuldade, que a camada sensitiva é a mais explorada durante seu enredo puramente instrumental.
Nessa nova introdução, diferente do que aconteceu na canção anterior, a harpa passa a testar, aqui, uma sonoridade mais seca e pausada, de forma a inferir novas conotações de crueza, mas também de secura. Felizmente, porém, conforme a composição vai se desenvolvendo, o ouvinte é mergulhado em uma atmosfera de cunho folclórico irlandês. Não por acaso, a melodia experimentada pelo instrumento acaba transpirando uma essência gaélica contundente e marcante. Porém, o que torna I HO RO uma obra intrigante é o fato de ela trazer, junto a uma temática folk clássica, uma paisagem sonora moderna através de camadas eletrônicas que, vindas de tilintares agudos, tornam a obra uma fusão inquietante entre passado e presente. Com tal mistura sonora, a canção, conforme se desenvolve, vai fornecendo ao ouvinte uma paisagem profundamente crepuscular a tal ponto que é possível de se observar, ao longe, a luz solar rompendo a neblina do orvalho com a chegada do amanhecer.
Surpreendendo até aos espectadores mais desatentos, o cenário que serve como introdução desse novo capítulo sonoro é regado em suspense e tensão. O curioso é que a sonoridade que serve como elemento que fornece o novo alvorecer é de cunho unicamente eletrônico que soa tão igual quanto o canto de uma baleia ecoando no fundo do oceano. Rompendo esse senso hipnótico, mas contribuindo com a insegurança que nasce perante a ambiência ainda incerta e enigmática, a harpa surge por entre toques mais graves que incitam o temor e desarmam o espectador a tal ponto em que a vulnerabilidade se torna algo inquestionável. Como um sopro de alívio, porém, quanto mais Geal Og amadurece, mais ela vai sendo agraciada por tomadas melódicas mais delicadas e harmônicas. Aqui é onde, inclusive, o eletrônico se funde de maneira mais intrínseca com a temática gaélica, mas, diferente do que aconteceu em I HO RO, a melancolia é o estado de espírito dominante em meio a essa narrativa ofertada em Geal Og.
UIST não é apenas um álbum instrumental. Ele consiste em um produto experimental. Uma obra capaz de fundir, com maestria, a arte musical de diferentes tempos. Fundindo o passado com o presente, o álbum propõe a intersecção de dois tipos de classicismo: um mais erudito e outro calcado em uma paisagem tecnológica. E o interessante é que, por meio da direção do FitkinWall, essa união mostrou que funciona.
As principais provas disso, ainda que o álbum seja composto por um total de 10 capítulos, se concentram nos títulos I HO RO e Geal Og. Afinal, nessas duas canções a paisagem eletrônica se mostrou em total sintonia com a delicadeza angelical de uma espécie de melodia folk gaélico fornecida através da harpa. Assim, UIST se configura como um álbum autêntico em suas texturas sonoras.
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